Seis de janeiro. Dia de Reis. Na Argentina de Cortázar e Quino, as crianças enfim recebem dos magos os presentes que, por aqui, vieram bem antes, pelas mãos de um inexplicável velho barbudo hipervestido de vermelho, no aniversário de Jesus. Nonsense. Bem mais razoável é atribuir mesmo aos magos o papel de trazer os presentes aos pequenos, como levaram há 2008 anos ao bebê “nascido em manjedoura que de berço serviu”.
Ou 2009? Se o “ano 1” começou no nascimento de Cristo, começou num 25 de dezembro? Durou, portanto, seis dias? Inúteis divagações. O tempo humano já mudou de formatação tantas vezes que questionar sua lógica não leva a nada. Vamos fingir que o calendário é fato consumado e dançar conforme o tique-taque, caso contrário este post termina aqui. E não foi isso que eu planejei. Ele promete ser longo (ou durar muito, como queiram).
Aos fatos. Seis de janeiro é também o dia oficial de retirar as decorações de Natal. Vão-se as guirlandas, luzinhas de camelô dependuradas em todo canto e o Papai Noel gigante que desde novembro canta na minha janela das 18h às 22h, sentado na fachada de um banco para deleite dos turistas mineiros e suas câmeras digitais, e para nossa irritação. Vai-se a árvore de Natal gigante que engarrafa a Lagoa Rodrigo de Freitas. Chega ao fim, também, a curta existência da nossa árvore de Natal familiar.
Pela primeira vez, ela não é um ridículo conjunto de pedaços plásticos encaixados, de onde pendiam ainda mais ridículas folhinhas retangulares de papel verde-escuro. É uma árvore de verdade. Um mini-pinheiro, ou que nome botânico tenha aquilo. Veio num grande vaso, ao preço camarada de R$ 40. Um “pinheiro” de plástico do mesmo tamanho era vendido ali perto por R$ 400.
Uma árvore de verdade. Viva. Carente de água, luz e, dizem, carinho. Pendurar os enfeites com as crianças não foi fácil. As duras pontas das folhas espetavam nossos dedos. Os galhos finos mal resistiam aos enfeites mais pesados. Os mais leves se perdiam dentro da folhagem farta. Resultado: ela ficou meio mal ajambrada, irregular, despenteada. Mas dava satisfação ver as pequenas maçãs de plástico despontando aqui e ali. Dizem que o símbolo surgiu na Europa, quando os agricultores, ao fim do inverno, adornavam uma árvore com frutas e pães, oferendas à espera da fartura para quando chegassem as estações férteis. Não sou agricultor, moro em apartamento, minha comida vem do supermercado e meu salário não se abala muito com possíveis oscilações das safras. Ainda assim, nosso pinheirinho parecia fazer mais sentido do que bonecos de neve, bolas coloridas e ursinhos numa árvore de plástico. Se não temos mais ligação com a terra, ainda temos com o tempo: o ano acaba, e de alguma forma aquele ser vivo na sala de casa dizia algo sobre encerramentos e renovações. “Não esqueçam de regar!”. Três garrafinhas (de coca-cola) de água por dia seriam suficientes para mantê-la viçosa.
No dia 25, aos pés do pinheiro, Bento e Helena encontraram seus presentes de Natal. O principal, para ele, foi um aquário. Com direito a oito peixinhos e respectivos apetrechos para cuidá-los: rede, comida, pedrinhas decorativas, gotas anti-cloro. Incrível como o Papai Noel pensa em tudo, embora os peixinhos já parecessem meio sufocados após a longa viagem saindo do Pólo Norte e percorrendo o mundo ao contrário do fuso. Corri para encher o aquário sob o olhar admirado das crianças. A água não chegou à metade: o vidro estava trincado, vazou. Providencia-se uma bacia e tasca-se os bichinhos lá dentro: dois gupis, dois laranjas (o macho com rabo em forma de espada), um cascudo, um pitu, dois paulistinhas. Quando amanhece o dia seguinte, um paulistinha bóia inerte e o laranja macho simplesmente sumiu. Depois de alguma procura, o encontramos entre os lençóis do colchão ao lado do aquário. Também está morto. Enquanto a loja providencia o conserto do vidro, vigiamos a bacia, agora coberta com um tecido reticulado para evitar saltos suicidas.
Quem disse que ter peixe “acalma”? Passamos os dias fazendo visitas aflitas ao quarto, para ver se estão todos bem. Mas nossa inexperiência põe tudo a perder: a imprevidente transferência da bacia para o aquário provoca um choque térmico em seus frágeis organismos. Sucumbem, em seqüência, os gupis, o paulistinha, o laranja fêmea. Antes que o aquário fique deserto, providenciamos reposições: entra um casal de “mato grosso” e um “grandão”. Aparentemente adaptam-se melhor, pois chegam vivos a 2009.
Seis de janeiro. O cascudinho é mais um a dar adeus à nossa convivência, descarga abaixo. Dos pioneiros, resta apenas o pitu — camarão de água doce. Não só resistiu como cresce a olhos vistos, alimentando-se das sujeirinhas entre as pedras. “Se ele morrer você pode comer, pai”, diz Bento. Aos 5 anos, terá aprendido alguma lição com este estranho presente de Natal, sujeito à morte súbita? Trocar as pilhas, por exemplo, já sabe que não adianta.
A árvore? Três garrafas diárias não foram suficientes. Sabe-se lá de onde ela foi retirada originalmente, mas está claro que aqui não é seu lugar. Os galhos ressecaram, as folhas estão marrons, os enfeites estão mais visíveis. Seis de janeiro, dia de encerrar a tradição. Bem a tempo. Não dá para guardá-la numa caixa, e ela não desce pela privada. Mas estamos providenciando um fim digno.
Não foram vidas em vão. Cumpriram sua missão, de nos lembrar perdas e ganhos. Ano que morre, ano que vem. E a dádiva de acordar todo dia já não passa despercebida. Soa menos automática aquela velha frase — Feliz Ano Novo.
Até que enfim é sexta-feira
Há 12 anos
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