As opiniões aqui expressas são estritamente pessoais e não refletem a posição do governo ou de qualquer empresa.

domingo, 8 de março de 2009

mea culpa, mea maxima culpa

(em resposta ao comentário de Péricles ao post anterior)

Péricles, meu post anterior foi mesmo infeliz.

Talvez porque eu não tenha me permitido ter lazer nos últimos 10 anos, praticamente só estudando e trabalhando (aliás, os feriados de Carnaval são ótimos para intensificar estudos).

Talvez porque sei o quanto custou para mim e minha família - em termos de tempo, dinheiro e lazer - sair de uma vila na periferia e conseguir uma vida "classe média" (bem média, diga-se de passagem).

Talvez porque Brasília seja um paraíso no meio do Cerrado, e daqui seja impossível ver o que se passa na "realidade", como se a única realidade fosse a dos estados (fui irônico agora, tá?).

Talvez porque tenha escrito o post in a rush sacrificando minha hora de almoço...

É justamente por acreditar que há muitas realidades e que as pessoas escolhem o que querem viver que escrevi o post abaixo.

E sabe qual o problema de Brasília? Fica longe de tudo, e ninguém sabe o que se passa por aqui. Por conta de muitos deputados corruptos que não são de Brasília - eleitos pelos estados, disso ninguém lembra! - assume-se que aqui nada funciona, que os funcionários são vagabundos e todos ganham um monte de dinheiro sem esforço. Viver em Brasília é viver refém do preconceito. Nem a Globo, que presta o serviço de manter o país culturalmente e linguisticamente coeso, retrata a cidade como ela realmente é. Quando aparece em novela, é para mostrar corrupção, como se as pessoas daqui não trabalhassem seriamente.

Se você, caro leitor, acha que funcionário fica à toa em Brasília e ganha muito dinheiro - boa relação "ócio-dividendos" -, convido-o para passar uns dias aqui. Se o Brasil ainda funciona um pouco e cresce um pouco, não é sozinho, é à custa de muito trabalho, e muito trabalho também dos servidores públicos federais. É daqui que saem programas de governo exemplares como médico da família, redistribuição de renda (bolsa-família, pronaf, prouni e uma miríade de outros), assistência ao pequeno agricultor, proteção do meio ambiente etc., etc. Esses programas são essenciais e custam muito trabalho, estudo e dedicação por parte dos servidores públicos e dos políticos sérios (sim, eles existem!). A execução dos programas, em razão da capilaridade e de ineficiências múltiplas, ainda é insuficiente para antender a demanda. Mas sou otimista e acho que o Brasil ainda pode ser rico um dia. Ou pelo menos remediado, já estaria de bom tamanho.

Brasília não é esse paraíso de riqueza que se imagina. A cidade está rodeada de favelas, a região do entorno é uma das mais violentas do país. Se a maior renda per capita do Brasil está aqui, a maior desigualdade também. Brasília é um retrato do Brasil, um microcosmo: um pé no primeiro mundo (representado pelas mansões hollywoodianas do Lago Sul), outro na miséria (facilmente visível na face enrugada do imigrante nordestino que mora ali embaixo do viaduto e que, com sorte, vira porteiro depois de algum tempo).

Talvez eu tenha mesmo me expressado muito mal, em um momento em que estou trabalhando e estudando muito, vendo esse monte de gente vivendo uma fantasia sem fim, um verdadeiro mergulho no ópio, o circo do pão-e-circo... Vale lembrar que o ópio e as ilusões não enchem barriga.

Em resumo, eu queria ter dito exatamente isto: a quantidade de lazer do brasileiro me parece despropocional com o trabalho que se tem que fazer em todos os setores, privado e público, para que o país deixe a condição de subdesenvolvimento.

Parece-me que poderíamos fazer mais se sacrificássemos um pouco do lazer. É como poupar hoje para usufruir amanhã (tudo bem, tem um pouco de moral do trabalho em meu discurso), mas não quero fazer uma apologia ao trabalho-sem-fim.

Quanto ao preconceito, Péricles, todos nós o temos. Somos todos preconceituosos. Os meus foram carnaval e futebol. Veja os seus (no seu comentário ao post anterior):

- "o camelô que apanha da polícia no Rio (você deve achá-lo um vagabundo)"

Se você acha que eu penso que alguém que vende CDs piratas para alimentar a família é vagabundo, precisa me conhecer melhor. Tenho muita consciência de como vive o brasileiro. E toda vez que viajo ao exterior (e não é para passear, é para construir), passo a conhecer melhor o Brasil. Vagabundo é o playboy da Barra que compra droga do morro e financia a violência. É o político que não trabalha e torra o dinheiro público. É o médico que sonega imposto (esse trabalha, mas só para ele, e não pensa no país).

- "fanáticos e competitivos e psicopatas como os norte-americanos, que saem a metralhar aglomerações"

Se você acha que os americanos são isso, sinto por você, Péricles. Você pecou na generalização assim como eu pequei em generalizar com relação ao Brasil e ao Rio. Como te conheço há décadas (como é bom poder dizer isso!), sei que você não pensa assim e entende que não são todos os americanos que têm esse comportamento. Reconheçamos nossas fraquezas ao nos expressar. A língua é uma barreira ao pensamento.

- "o paraíso dos funcionários públicos que não fazem nada (ou fazem muito... estrago!) com o dinheiro de todos nós"

Isso foi ofensivo.

Faço aqui meu mea culpa, mas não sem antes argumentar (o logos é a essência da vida intelectual).

Cá entre nós, Péricles, a gente precisava esquentar esse blog! Obrigado pelas críticas!

Grande abraço! (cadê nossa amiga?)

2 comentários:

Péricles Peri disse...

Agora se parece mais com o Zoon que conheço há décadas. Argumentativo, explorando outros aspectos por baixo da superfície. E este blog realmente precisava de um calor. A conversa já se aproximou de um ponto bom: discutir os preconceitos que sofremos e carregamos.

Primeiro, a minha auto-análise: meu comentário foi puramente figadal. Consciente ou não, você escreveu um texto atacando o Rio, o carnaval e o futebol (tema no meu post logo abaixo!). Ou seja, me atacando. Mais desconcertado ainda fiquei ao ver que seus argumentos estavam na mais completa contramão do que eu acredito. Pra mim, a arte, o prazer, o lazer, a cultura representam a verdadeira libertação, são janelas para uma existência mais rica e interessante. Riqueza é isso, não dinheiro. Por isso a provocação aos americanos. E para provocar vale transfigurar, exagerar uma característica forte, que salta aos olhos. Óbvio que “nem todos” os americanos são psicopatas, mas este é um traço assustadoramente sintomático daquela sociedade. Olhando aqui de longe (vê-se mal, claro), não é uma civilização que me agrade: excessivamente consumista, individualista, bélica, provinciana. Digamos que estão divididos quase fifty-fifty, Bush x Obama. E, esticando mais a corda: o que de fato salva os Estados Unidos? O que ele vão legar de bom para a posteridade? A arte! A música negra, o blues, o jazz, Armstrong, Cole Porter, Billie Holiday, Micheal Jackson. A literatura de Poe, de Fitzgerald. Um século de cinema! Trabalho e produção industrial? Tudo bem: obrigado pelos carros, pela lâmpada elétrica, pela medicina genética, pelo computador. Mas isso tudo é meio, é utilitário. Para onde eles nos conduzem é o que importa. Nos Estados Unidos, a impressão que tenho é que desperdiçam boa parte de seu trabalho e sua energia para alimentar uma economia de guerra (e não é no sentido figurado). Pela moral do trabalho, vale gerar riqueza às custas da violência sem fim?

Sou otimista com o Brasil não por uma perspectiva de enriquecimento econômico (embora as coisas estejam melhorando nesse aspecto). Mas porque acho que a cultura nos redime. A tolerância com a diferença, a diversidade do povo, a arte espontânea, a inventidade, a cordialidade (que tanto mal nos traz na política, desde sempre). Enriquecer por outros critérios.

Mas do preconceito não estamos livres, ou o mundo seria uma unanimidade (burra?). Ultimamente, os políticos não me descem. Entalam na goela. E as políticas também não. Sim, sou a favor do estado impulsionando a economia e a inclusão social (santa crise, viva o keynesianismo!). Sempre fui. Lembro de nossas velhas discussões do tempo FH x Lula. Mas ao olhar a forma como o monstro da esfera pública se locomove — à base do privilégio personalista, da arrogância coronelista, do mais escroto elitismo preconceituoso do sabe-com-quem-está-falando, pra desembocar, claro, na sangria escancarada de nossos suados impostos — me dá desanimo e dó dos que militam seriamente pra fazer acontecer. Preconceito? Pode ser. Mas política no Brasil é foda.

Dito isso, respeitosamente discordo de sua tese de que “a quantidade de lazer do brasileiro é desproporcional”, de que “melhoraríamos” trabalhando mais. Pra mim o buraco é mais embaixo. E tragam meu ópio que eu quero descer.

Cláudio disse...

Alguns comentários sobre o que você disse:

"Pra mim, a arte, o prazer, o lazer, a cultura representam a verdadeira libertação, são janelas para uma existência mais rica e interessante."

Concordo com você, esses deveriam ser os objetivos últimos da existência humana. O problema é que, em um país como o Brasil, essas janelas são para poucos.
Que libertação há em animar com a multidão em um jogo de futebol se o pobre tem dor de dente? Alguém pensa em arte com estômago vazio?
Boias-frias acham que o mais importante é ter um trabalho decente, alimentação adequada e casa ou cultivar o prazer?

Existem necessidades básicas que, se não supridas, não permitem a libertação como você diz. O dinheiro faz falta não na hora de comprar um carro novo,
mas sim na hora em que você está doente e não pode pagar por um tratamento.

A valorização do trabalho que prego não é uma valorização do trabalho-pelo-trabalho, mas sim como meio de conquistar um nível mínimo de bem-estar.
Além disso, entendo que é o Estado o responsável por prover esse bem-estar básico, assim como é feito nos países nórdicos (caso extremo).
Bem-estar e prosperidade econômica andam juntos, são retroalimentados.

Um exemplo: um programa como o bolsa-família pode permitir que uma família se alimente melhor e, com isso, consiga procurar trabalho ou estudar.
Sem esse auxílio, a luta diária seria pela mera sobrevivência em termos nutricionais. Isso faz enorme diferença em um país como o nosso. É a diferença
entre mortos-vivos e cidadãos.

A sociedade, para funcionar, deveria ter uma ética voltada para o trabalho. O nível de confiança entre as pessoas também deve ser alto para que haja
sinergia entre sociedade civil, setor privado e setor público. Do contrário, uma perspectiva individualista, embora possa levar a eficiência econômica,
não traria bem-estar e prosperidade para toda a sociedade (assim como acontece nos EUA).

Em resumo, trabalho, confiança e bem-estar social são os requisitos para que uma sociedade possa usufruir, em um segundo momento, da libertação
proporcionada pela arte, pelo prazer, pelo lazer e pela cultura.

A minha crítica é a valorização exagerada do lazer ou do ócio, em detrimento de ações que valorizem a vida social. O que seria melhor: ver o jogo na tv
toda quarta-feira ou reunir os vizinhos toda quarta-feira para resolver os problemas do bairro? É claro que essas coisas não são excludentes. Mas me parece
que às vezes dá-se muita atenção ao ócio e pouca atenção à construção de uma sociedade melhor. E não adianta dizer "isso é função do governo". Não
basta passar a batata quente.

Outro ponto: noto que muitas pessoas separam o Estado da sociedade, quando no fundo tudo é uma coisa só. O Estado é dos indivíduos, serve a eles e deve
obrigações a eles. No Brasil, percebo uma dicotomia entre Estado e povo, como se aquele fosse um ente perverso, corrupto e separado dos indivíduos. Uma
árvore na rua não é uma árvore mantida pelo governo. É a minha árvore, é a sua árvore, e devemos cuidar dela e vigiar o governo para que ele cuide dela.
Um vereador não é um político corrupto, é um "funcionário" do povo, que deve ser punido se não cumprir com suas obrigações. Não vejo muitas pessoas
com essa compreensão por aí.

"Pela moral do trabalho, vale gerar riqueza às custas da violência sem fim?"

Faço coro com você nessa crítica em relação aos EUA. O modo com que eles exercem o poder não condiz com a evolução filosófica já alcançada.
A violência está impregnada naquela sociedade, e o complexo industrial-militar faz parte da construção do poder econômico deles.

"Sou otimista com o Brasil não por uma perspectiva de enriquecimento econômico (embora as coisas estejam melhorando nesse aspecto). Mas porque acho que a cultura nos redime. Sou a favor do estado impulsionando a economia e a inclusão social."

Como disse acima, com outras palavras, cultura não enche barriga. É preciso construir um Estado de bem-estar básico. Só o Estado, na minha opinião,
seria capaz de propiciar inclusão (a livre empresa jamais o faria). Quanto à economia, acredito em um Estado regulador, que propicie um ambiente legal e institucional que favoreça a competição justa e a inovação.